domingo, 19 de maio de 2013

Santo Antônio e São João

Polianna estava estática em frente ao micro. Na tela, um relatório financeiro que tem que estar pronto em 40 minutos para a reunião das 15:00 horas. Mas ela já não vê mais isso, só vê as fagulhas que sobem em espiral, embaralhadas, numa confusão de gritos das outras crianças eufóricas, atirando pedaços de madeiras na fogueira, fazendo aparecer mais e mais daqueles “vagalumes” mágicos que somem quando sobem ao céu. Polianna inclinava a cabeça toda pra trás, olhando o céu mais cheio de estrelas do mundo. Por mais que tenha procurado, nunca encontrou um céu tão mágico, gigante e infinito como o da cidade em que nasceu e morou até dez anos atrás, quando tinha então 12 anos. E era isso que ela via agora no monitor. Podia até sentir a brisa da noite, ouvir sua mãe gritando pra ter cuidado com o fogo enquanto ela e as outras crianças rodavam em volta da fogueira. O velho Tião tentava organizar a formação para o ensaio da quadrilha. E Marquinhos a chamando para mostrar um formigueiro que encontrou, perto da mangueira. Olhavam a fileira ordenada das formigas marchando para dentro do formigueiro, incessantemente. E de repente ele a puxa pela mão para trás da árvore e pede para beijá-la. Seu coração parecendo que ía parar, ao mesmo tempo que disparava, e ela sentía como se ele fosse sair do peito. Tudo rodando… E aquele primeiro beijo… Que lhe deu uma sensação de moleza no corpo… E o primeiro namorado. Que ela deixara pra trás, quando os pais chegaram com a notícia da mudança para uma outra cidade, outro Estado. E a promessa de que seria o melhor pra todos, já que ela e o irmão poderiam estudar em escolas melhores, conhecer muito mais gente, um bom emprego para o pai.
E nesses 10 anos, o que ela viveu foi um grande número de mudanças de casas, apartamentos, vizinhos que mal se falavam, pessoas mal-humoradas, sem tempo pra nada.
Sentía um vazio que não sabia explicar o que era. Tentou preenchê-lo com os muitos namorados que teve. Muito sexo. Drogas. Lugares. Empregos – esse era o oitavo. E nada que fizesse suprimia aquele vão no peito.
Até aquela tarde, quando do nada, veio essa visão e a lembrança da infância. Saiu do transe quando Marta, sua chefe, a chamou pela terceira vez, quase que gritando o seu nome:
– Polianna! O que está acontecendo que não terminou ainda esse maldito relatório? A reunião começa em meia hora e isso ainda não está pronto?
Ela sacudiu a cabeça e olhou para a chefe parada à sua frente com aquela expressão de interrogação.
Desligou o monitor, pegou suas coisas e quando passou perto da chefe, disse:
– Vai se fuder.
No dia seguinte, pegou o primeiro ônibus e voltou até a cidade que ressurgiu em sua mente na tarde anterior. No caminho, sentía toda a ansiedade e expectativa como no primeiro beijo. Quando desceu do ônibus, não reconheceu a cidade. Muita coisa havia mudado. Passou o dia andando, indo a todos os lugares que lembrava. Reencontrou algumas pessoas e quando viu que começava a escurecer seguiu até à mangueira, que já estava bem velha. Deitou embaixo dela e ficou vendo a escuridão tomar conta do céu, e as estrelas surgindo. Uma aqui, outra ali. Agora sentía o peito cheio. Preenchido. Olhou ao redor e se viu novamente ali, com as outras crianças, correndo em volta da fogueira. Deu a volta na árvore, procurando o formigueiro e viu talhado no tronco: “Polianna x Marcos”
Não sabia ainda o que ía fazer dali em diante. Voltar pra casa, voltar pra cá? Mas nada disso importava, pois ela resgatou algo que havia perdido, quando ainda nem tinha conhecimento do que era. E teve uma única certeza:
– Puta merda. Ser feliz é tão simples…

® Postado no Blog antigo em 23.06.2009

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